
Insegurança até na sala de aula

POLÍCIA
Nathaly Miranda
A sensação de medo e insegurança que assola os gaúchos não se restringe mais somente ao passar por um beco mal iluminado à noite. A garantia de estar seguro em um local onde antes era inimaginável ser assaltado também não existe mais. As universidades gaúchas entraram de vez na rota dos bandidos que, sem vergonha das câmeras ou medo dos vigilantes dentro dos campis, agem impunes. Como a circulação de pessoas é sempre intensa nos locais, é difícil agir de maneira pontual e eficaz. Pelo menos é o que diz o vigilante da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Luciano Santos, que atua há 12 como segurança privado no campus central da Unisnos, em São Leopoldo. “Quando as denúncias chegam até nós, o crime já aconteceu. Na maioria das vezes redobramos a atenção, mas o que foi feito já passou, não tem como remediar”, relata Santos. O caso mais recente registrado nos arredores da universidade foi fatal. A morte do jovem estudante de geologia Frederico Almeida, de 22 anos, repercutiu massivamente nas últimas semanas. Ele foi surpreendido e baleado por três meliantes ao sair da aula. Pedindo justiça e mais segurança, cerca de 200 pessoas realizaram uma caminhada em São Leopoldo em homenagem a Almeida. A reitoria da Unisinos disse que auxiliará a polícia nas investigações, mas não informou se a segurança da universidade será reforçada.
A Unisinos não é a única universidade privada que sofre com a onda de assaltos. Os famosos arrastões são frequentes no entorno do Centro Universitário Ritter dos Reis. O campus central da Uniritter fica ao lado de uma conhecida zona de tráfico de drogas da zona sul da Capital e, nas últimas semanas, as atividades criminosas têm aumentado. “Não tem mais isso de ser de manhã, de tarde ou de noite. Quando eu saio da aula, lá pelo meio-dia, tem arrastão na parada de ônibus. Se tenho alguma atividade à noite na faculdade, vou de lotação ou táxi pra casa, porque sei que tem assalto à mão armada na porta”, conta Viviane Reis, estudante do 8º semestre de design da Uniritter. Cansados da violência e do descaso das autoridades, os estudantes fizeram duas mobilizações – uma no turno da manhã e outra no turno da noite – no dia cinco de novembro, pedindo mais segurança e melhor iluminação nas paradas de ônibus do bairro Orfanotrófio, principalmente próximas à universidade. Além disso, o Diretório Central de Estudantes (DCE) marcou uma reunião com a Pró-Reitoria e a Diretoria de Operações e com o tenente coronel Antônio Carlos Maciel Junior, comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul não fica atrás no quesito violência. Localizada entre as avenidas Ipiranga e Bento Gonçalves, o campus central da PUCRS serve como passagem dos pedestres, logo, não há como ter controle de quem entra e quem sai. Foi numa situação assim que a Faculdade de Comunicação Social sofreu as consequências do pouco controle dentro da universidade. Um homem que se passou por aluno invadiu uma sala de aula e exigiu que os cerca de 20 alunos presentes colocassem seus pertences dentro de uma mochila. Ele fugiu do local levando carteiras, celulares e notebooks, mas foi preso dias depois pela polícia. Mesmo com um pedido formal, a reitoria da PUCRS informou que não divulga número de assaltos dentro do campus.
Entretanto, as universidades privadas não são os principais alvos da violência. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul registra, há anos, inúmeros assaltos e casos de estupro nos três campis. O Campus do Vale, localizado na zona leste de Porto Alegre, é o mais perigoso segundo quem o frequenta. Como é cercado de árvores e áreas isoladas e de pouca movimentação, facilita a ação para os bandidos. O maior medo das estudantes, contudo, são os estupros. Em 2012, uma jovem de 22 anos foi agredida fisicamente, amarrada sem roupas a uma árvore com fios de telefone e teve a boca vedada com fita isolante. O estupro só não foi consumado pois pessoas se aproximaram do local e o estuprador fugiu. A vítima passou por intenso tratamento psicológico e a denúncia foi parar na Delegacia da Mulher. Infelizmente, a cena de filme não foi um caso isolado. Gabriela Pacheco, estudante do 4º semestre de nutrição, diz que já viu abordagens suspeitas no Campus da Saúde, localizado na rua Ramiro Barcelos. “Já vi, sim, mas não posso afirmar se eram assaltos. São informações que se desencontram. Eu já fui perseguida à noite quando caminhava até a parada de ônibus, a rua estava deserta e tinha um homem andando logo atrás de mim. Cheguei na Osvaldo Aranha e consegui escapar, mas e se não tivesse conseguido?”, desabafa. Como é uma universidade federal, a UFRGS só pode contar com as patrulhas da Polícia Civil e da Brigada Militar. As duas unidades foram procuradas, mas até o fechamento da matéria não informaram dado algum sobre assaltos dentro ou no entorno das universidades.

Insegurança preocupa moradores do Menino Deus

Onda de crimes e assalto causam questionamentos na população gaúcha
Ana Paula Abreu
Porto Alegre está em alerta. Há alguns meses a capital dos gaúchos vem sofrendo com os altos índices de assaltos e roubos. Os bairros Menino Deus e Santa Tereza são alguns exemplos de locais que têm registrado números elevados.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), nos últimos 12 meses houve um crescente número de roubos e furtos de veículos. Estes dados foram registrados entre junho de 2014 e maio de 2015, e representam um aumento de 13% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o crescimento dos casos, apenas de roubo, foi de 18,68% e dos de furtos, 9,56%.
Ainda segundo informações da SSP, os bairros mais atingidos são Centro, Cristo Redentor, Menino Deus, Vila Ipiranga, Rubem Berta, Santa Tereza, Sarandi e Petrópolis. Ipiranga, Bento Gonçalves, Baltazar de Oliveira Garcia, Assis Brasil, Sertório, Mauá, Antônio Carlos Berta, Ramiro Barcelos, Protásio Alves e Riachuelo são consideradas as avenidas mais perigosas. De acordo com a polícia, essas regiões oferecem uma rota de fuga rápida para a Região Metropolitana. 236 foi registrado de furtos no Menino Deus nos últimos 14 meses.

Moradores e comerciantes dos bairros Menino Deus e Santa Tereza têm buscado respostas para a grande quantidade de assaltos que atingem a população local nos últimos cinco meses. Estabelecimentos que costumavam abrir no final de semana têm fechado mais cedo. Restaurantes não abrem mais à noite, por medo e falta de segurança. Quem mora no Menino Deus também diz sentir-se inseguro em relação ao bairro vizinho, que no início deste semestre foi alvo de protestos com depredação e queima de ônibus e lotação, organizados por próprios moradores.
José Albuquerque, morador do bairro há 25 anos, conta que está de mudança por medo da criminalidade. “Depois que eu vi um morador aqui do bairro falecendo fiquei com medo de sair de casa. O clima está realmente pesado”, comentou. Segundo ele, a maioria das pessoas que conhece e que moram na região alegou que já foi assaltada ou presenciou um caso de roubo. Ele acredita que de 10 de seus amigos, nove foram assaltados. “É impressionante. Outro dia sai para tomar cerveja com meus amigos e ficamos com medo. Vimos uma moça ser assaltada assim que desceu do ônibus. Os caras fugiram numa moto, e ninguém fez absolutamente nada, fiquei perplexo e revoltado com a situação. Eu tive coragem de ajudar a garota, até que os bandidos fossem embora. Poderia acontecer algo pior se alguém interferisse’.
O restaurante Forno & Fogão, tradicional na região desde 1970, informou que não abre mais à noite. Desde o mês de setembro a churrascaria reduziu o horário e atende apenas no almoço. Os roubos eram constantes naquela região do Menino Deus e os clientes já não estavam mais frequentando o local como antigamente.
O policiamento no bairro é precário. Nas ruas mais movimentadas, como a Avenida Getúlio Vargas e a José de Alencar os policiais da Brigada Militar fazem a ronda em horários específicos e alternados. Apesar disso o policiamento não ocorre diariamente, como gostariam os moradores.
A onda de violência que se instala em Porto Alegre surge exatamente no momento em que a segurança pública sofre com as más condições de trabalho oferecidas pelo governo estadual. Com o estado enfrentando dificuldades financeiras, o governador José Ivo Sartori (PMDB-RS) não teve outra alternativa a não ser parcelar salários do funcionalismo público no mês de agosto. A decisão acabou expondo outros problemas enfrentados especialmente pelos policiais. Nos dias em que aderiram à greve dos servidores, inúmeros agentes permaneceram nos quarteis e não foram às ruas.
Segundo o Delegado César Carrion, responsável pela 2ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, localizada na Av. Getúlio Vargas, o parcelamento dos salários pelo governo do estado pode ser um dos fatores que influencia nesta falta. “Acredito que tenha havido uma fragilização dos órgãos de segurança pública em função dos protestos por falta de salários. Os bandidos, creio eu, entendem que não há policiamento. Na verdade, há. Realmente diminuiu. A polícia civil, por exemplo, só tem atendido casos graves”.
Passeatas e protestos têm sido realizados constantemente. Os encontros são organizados pelas redes sociais e visam chamar a atenção para a insegurança que atinge a região. O movimento S.O.S Menino Deus e a Associação dos Amigos e Moradores do Menino Deus – ASSAMED, têm incentivado as pessoas a participarem. Além disso, representam moradores na busca por respostas e soluções às autoridades responsáveis pelo local.
Um dos integrantes do S.O.S Menino Deus, Matheus Machado, trabalha no bairro há 32 anos e diz que decidiu criar o grupo com moradores com o objetivo de questionar autoridades em prol da segurança dos frequentadores do bairro. “A gente começou a ser assaltado constantemente, há mais ou menos seis meses e resolvemos criar o grupo. Fazemos nossa reivindicação sem violência, sem queimar ônibus. Só queremos segurança para o nosso bairro”.
Mapa da violência de 2015 revela que negros morres 14 vezes mais que brancos

Carolina Zorzetto
Era uma terça-feira quando João Carlos saiu de casa para ir à padaria. Ele não voltou mais. Sem culpa, foi assassinado no caminho de volta por traficantes que o confundiram com um vizinho. A família, devastada, ficou sem pão, sem fonte de renda e sem poder ver, mais uma vez, o sorriso do Jovem de 21 anos. Esse é só mais um caso entre os 28.946 de negros que foram mortos por armas de fogo no ano de 2012, segundo o Mapa da Violência divulgado em maio de 2015.
O relatório, baseado em dados de 2012, mostra que as armas de fogo vitimaram 28.946 negros, o que representa 28,5% para cada 100 mil habitantes. Em comparação, 10.632 brancos - 11,8% de óbitos para cada 100 mil - morreram pelo mesmo motivo no período. Dessa forma, a vitimização negra foi 142% maior que a da população branca no Brasil. Segundo o Sociólogo especialista em Análise Social da Violência e Segurança Pública e Pós-Doutor em Criminologia, Rodrigo de Azevedo, todas as vítimas seguem um mesmo perfil. “A maioria é jovem, morador de periferia, de baixa renda, e muitos deles envolvidos com mercados ilegais, principalmente o mercado da droga. Junto com tudo isso tem também a questão étnica. Há um percentual bem maior de negros com essas características, justamente por serem indivíduos nessa situação de maior vulnerabilidade social”, afirma.
As regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste registraram, entre 2002 e 2012, aumento nos homicídios de negros por armas de fogo. No mesmo período, houve redução no número de brancos mortos. A Região Sul foi a única que obteve um resultado diferente. Apresentou maior índice de brancos vitimizados em relação aos negros. Em 2002, 2.826 brancos e 599 negros foram mortos. Já em 2012, o número de vítimas brancas subiu para 3.923, enquanto a negra foi para 1.084. Segundo Azevedo, o porquê desse acontecimento ainda é desconhecido. “Não fizemos uma pesquisa para desvendar esse acontecimento. Mas muito provavelmente seja porque o a região sul apresenta um menor percentual de pessoas negras”, supõe.
Segundo o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Paulo Grillo, no ano de 2014 o Rio Grande do Sul registrou taxa de homicídios de 20,8 crimes por cada 100 mil habitantes. O índice acima de 10 já é considerado epidemia de morte pela ONU. “ Em números absolutos, Porto Alegre somou 570 homicídios em 2014, aumento de 67% em nove anos. Foram 342 em 2005, ocupando o terceiro lugar no ranking gaúcho”, explica o delegado.
Dentre os três estados da Região Sul, o Rio Grande do Sul é o que apresenta o maior numero de homicídios por 100 mil habitantes (19,9), seguido pelo Paraná (12,2) e Santa Catarina (8,7). Na capital gaúcha, as execuções por arma de fogo tem proliferado pelas ruas em horários de grande circulação e a luz do dia. Conforme Grillo, “as mortes são inesperadas. rápidas e há muitas testemunhas”, o que torna o trabalho da polícia e dos investigadores cada vez mais difícil. Por medo, as pessoas que presenciaram os crimes nada revelam.
Saindo da exceção da Região Sul em relação aos níveis de vitimização por armas de fogo de negros, existem estados, como Alagoas e Paraíba, onde a seletividade racial nos homicídios por arma de fogo supera a casa de 1.000%. Em outras palavras, para cada branco morto nesses estados morrem, proporcionalmente, mais de 10 negros vítimas de homicídio intencional por arma de fogo.
O Mapa da Violência também revelou outro número assustador. Além dos negros serem as principais vítimas de homicídio, a quantidade de jovens mortos também é desanimadora: é mais do que o dobro da geral nacional: 47,6 para cada 100 mil habitantes. A taxa e o número absoluto de jovens mortos são os mais altos já registrados pelo levantamento. A concentração da mortalidade na juventude tem pico aos 19 anos de idade, com 62,9%. Logo depois ficam os de 20 anos, com 62,5% e, após, em terceiro lugar, vem os de 18 anos, com 57,6% das vítimas. Chama a atenção que, além de jovens e negros, maioria, é do sexo masculino.
De acordo com o Sociólogo Azevedo, o motivo para explicar esses dados é discussão permanente entre os profissionais da área. “Uma explicação que pode ser dada é a defasagem da estrutura policial, junto com um sistema de policiamento absolutamente superado que temos hoje em nosso país. A divisão entre dois tipos de polícias, que não tem boa relação entre elas, dificulta ainda mais a segurança da população e dificulta a atuação das polícias”, argumenta. Azevedo cita, também, a falta de políticas de prevenção, que vai muito além da questão da segurança pública. “Isso exigiria uma atuação bem maior do governo nas áreas de maior vulnerabilidade social”, completa.